Ninguém nasce pronto para exercer uma profissão, mas forma-se. Apesar de parecer uma frase óbvia, raramente a entendemos com precisão. Do mesmo modo que passamos décadas em escolas e faculdades para desenvolvermos o nosso intelecto e conhecer as técnicas de nossos ofícios, também necessitamos de tempo para entendermos e colhermos os frutos dos nossos negócios.
Em um mundo dinâmico e competitivo que vivemos, as pessoas desejam que seus resultados sejam prósperos e rápidos, além de acreditar que aprenderão “de primeira” a tornar suas empresas lucrativas.
O fato é que o sucesso de um empreendedor está no longo prazo, na sua capacidade de reinventar-se e adaptar-se às mais distintas situações. Para conseguir essas habilidades é quase inevitável a experiência do fracasso. Gostemos ou não, quase todos os grandes empreendedores erram demasiadamente antes de começar a acertar em seus negócios. Desse modo, o fracasso comercial é uma das provas que precisamos enfrentar ao longo da nossa vida enquanto empreendedores.
Frente a isso, uma característica fundamental para todo empreendedor é ser capaz de mudar de ramo e não apegar-se apenas a um tipo de negócio. A adaptação, seja natural ou social, é uma realidade para quem vive no mar do mercado e, eventualmente, faz-se ser justo um ajuste nas velas.
Hoje falarei de um empreendedor nascido no século XIX que conseguiu navegar de maneira maestral nesses revoltosos mares: Henrique Dumont, o rei do café. Para além do “pai de Santos Dumont” Infelizmente Henrique Dumont é um personagem da nossa história que poucos conhecem. Recorrentemente os historiadores o relegam apenas ao título de ser pai do imortal Alberto Santos Dumont, o nosso inventor do avião. Porém, jamais existiria o 14-bis se não fosse o Rei do café e sua forte influência sobre o filho. Muito mais do que um pai, Henrique Dumont empreendeu em diversos negócios no Brasil Imperial, muitos deles atendendo a necessidade de D. Pedro II e ao Estado brasileiro.
Nascido em 1832 na cidade de Diamantina, Henrique Dumont foi descendente de um casal francês que veio ao Brasil explorar pedras preciosas. Nesse período, porém, pouco restara do lucrativo extrativismo mineral no Brasil. Ademais, com a exploração de diamantes na África, o comércio de pedras preciosas viu seus valores despencarem devido a oferta existente no momento. Esse contexto desfavorável fez com que o negócio dos Dumont fosse à falência. Com a economia da família colapsada, os primeiros anos de Henrique foram difíceis.
O jovem, contudo, foi ajudado por seu padrinho que, entre outras assistências, o patrocinou em seus estudos. Mostrando-se hábil com números e com certa criatividade, Henrique dedicou-se a estudar Engenharia na França, formando-se com apenas 21 anos, o que até os dias atuais é um feito impressionante. Após ganhar seu diploma, o então engenheiro Henrique Dumont voltou para as terras brasileiras, mais precisamente para Ouro Preto, capital da província de Minas Gerais, e lá trabalhou por muitos anos prestando serviço ao município. Foi lá que também que se casou e começou a criar sua família, mas a vida de Henrique ainda saltaria para outros patamares.
Em 1871, com então 39 anos, Henrique Dumont recebeu a proposta de construir um barco a vapor. Nessa época, esse tipo de embarcação era o que havia de mais moderno em termos náuticos, o que representava um grande desafio para um engenheiro. Dumont não pestanejou e aceitou construir a embarcação, de nome Saldanha Marinho. O barco navegou por décadas no Rio São Francisco, transportando pessoas e produtos pelo nordeste brasileiro.
Esse feito lançou o nome de Henrique Dumont até a Corte brasileira. No ano seguinte, em 1872, o engenheiro foi convidado por D. Pedro II a construir uma linha férrea na região de Minas Gerais, ligando-se às principais ferrovias do Brasil. Essa linha seria, mais tarde, uma parte importante da Central do Brasil. Aceitado mais uma vez o desafio, Henrique Dumont mudou-se para a Cabangu (atual Santos Dumont - MG) para construir a ferrovia. Ao seu favor foi cedido uma grande fazenda por parte do Estado, o que seria o primeiro contato de Henrique Dumont com o cultivo do café.
Esses detalhes da biografia de Henrique Dumont nos revela como cada trabalho, cada atividade exercida pelo engenheiro o fez caminhar até o que seria o seu negócio mais próspero. Além disso, como veremos, é graças a sua experiência com máquinas e o desenvolvimento de motores e outros instrumentos que ele conseguirá tornar sua fazenda a mais moderna das Américas.
Cabe a nós, portanto, refletirmos sobre como as experiências que vivemos em nossa vida, quando bem assimiladas, podem nos impulsionar ao longo da nossa vida. Tal qual um quebra-cabeça, cada momento vivido é uma peça que, juntas, formam uma bela imagem, a obra-prima de nossas vidas.
Sendo assim, nossa verdadeira habilidade estaria em reunir essas peças e manejá-las da melhor maneira. Do ponto de vista de um verdadeiro empreendedor, ser capaz de adquirir habilidades diversas e reuni-las em seus negócios torna-o não apenas capaz de adaptar-se aos contextos que estão fora do nosso controle, mas também lhe dá a chance de inovar a partir do aprendizado acumulado ao longo da vida.
O empreendedor rei do café
Após a conclusão da ferrovia, Henrique Dumont enamorou-se da arte empreendedorial de fazendeiro. Certamente, pensando sob seu ponto de vista, mudar de ofício após vinte anos como engenheiro não deve ter sido algo simples. De fato, ao pensarmos sobre isso, nunca é fácil tomar decisões desse porte, mas foi graças a essa “virada” em sua carreira que Henrique pôde colocar seu nome na História.
A sua primeira decisão foi mudar-se para Ribeirão Preto, pois rapidamente percebeu que o solo da região era mais propício para o café do que na região em que estava estabelecido. Depois, e essa sem dúvida foi o seu diferencial, Henrique Dumont passou a investir em maquinário para sua fazenda, algo que para a época era quase impensável.
Enquanto a produção de café - e demais produtos agrícolas - eram feitos a base de mão de obra escrava, a fazenda Arindeúva sob o comando do engenheiro Dumont focava na utilização de máquinas para atividades como plantio e colheita, além de um inteligente sistema de irrigação.
Todas essas inovações fizeram com que a produção aumentasse de maneira muito superior às demais. A partir disso, Henrique Dumont não era mais um engenheiro, mas sim o rei do café. Sua fazenda chegou a ter 96 km de ferrovia, além de possuir seis locomotivas para escoar toda produção. Ademais, Henrique Dumont foi um dos primeiros fazendeiros a substituir a mão de obra escrava, que àquela altura já era pouco aceita no mundo, pelos trabalhadores assalariados, principalmente imigrantes italianos, pois Ele era uma abolicionista com grandes convicções humanitárias.
Desse modo, Henrique Dumont conseguiu inovar não apenas no aspecto técnico na produção agrícola - o que até os dias atuais é amplamente utilizado - mas também no aspecto humano, dando dignidade aos seus trabalhadores.
Essa prosperidade garantiu a base necessária, anos mais tarde, para que Santos Dumont ganhasse os céus de Paris e mostrasse ao mundo que voar não era um sonho, mas uma possibilidade. O gênio inventivo pela engenharia certamente foi herdado do seu pai, que décadas antes revolucionou a economia brasileira e o modo de produzir em nosso país. Por essa capacidade de determinação Henrique Dumont consta em nossa série de Grandes Empreendedores da História.
Bom trabalho e grande abraço!
Prof. Adm. Rafael José Pôncio
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