Tudo que existe teve, em algum momento, um início. Essa é uma frase um tanto quanto óbvia, mas que, às vezes, por falta de uma visão mais objetiva dos fatos, ou mesmo por displicência, não a enxergamos com clareza. Esse “problema de vista” faz com que percamos a noção de tempo, e acabamos caindo em ideias equivocadas como, por exemplo, que os elementos que compõem nossa vida hoje sempre foram dessa maneira e que não houve, necessariamente, um início.
Sendo assim, parte do papel da História, não somente como disciplina científica, mas como atitude de vida, é resgatar o passado e lembrar ao indivíduo sobre aspectos que não devem ser esquecidos. Esse resgate traz, naturalmente, a possibilidade de aprendermos e nos reposicionarmos, construindo assim uma sólida trilha em direção ao futuro. Visto isso, talvez caiba aprofundarmos um pouco sobre nossa própria história enquanto administradores, conhecendo as raízes e os pioneiros dessa ciência em nossa terra, afinal, sem esse impulso inicial jamais os cursos de administração teriam chegado nas nossas universidades.
Considerando a necessidade desse resgate, hoje falaremos do pioneiro da administração em terras brasileiras, o homem que trouxe o conhecimento científico para a educação e pôde formar milhares de administradores ao longo da nossa história. Estamos falando do Padre Roberto Sabóia Medeiros, o pai da administração brasileira.
Padre Saboia e sua trajetória
A história do Padre Roberto Sabóia começa no Rio de Janeiro, em 1905. Nascido na capital do Brasil, sua vocação religiosa o despertou para a ordem dos jesuítas, no qual ingressou em 1922, com 17 anos. Não possuímos nenhum detalhe de sua infância, mas podemos deduzir que a vida clerical pode ter sido uma via natural, própria de sua vocação e formação familiar.
O fato é que desde cedo o Padre Sabóia voltou-se para as questões sociais, não aceitava as injustiças e a miséria que grande parte da população vivia. Ao longo dos anos 1920 e 1930, principalmente após ordenar-se sacerdote em 1936, o jesuíta percebeu a necessidade de atuar em prol destas causas, mas como fazê-lo em um Brasil de realidades tão abismais como o do início do século XX?
O Padre Sabóia, devido à sua formação religiosa, sabia que o trabalho era uma pedra angular no processo de formação humana. Foi assim que surgiu a ideia de fundar institutos técnicos para instruir a população e capacitá-las. Sua ação estava alinhada com a nova mentalidade do Estado brasileiro que vivia, à época, a Era Vargas (1930 - 1945), no qual o trabalho e a industrialização passaram a ser uma necessidade crescente. Logo, era fundamental ao governo e a população, uma formação técnica voltada para a indústria, tanto para possuirmos gestores como mão de obra qualificada.
É nesse contexto de necessidade de formação que o Padre resolve fundar a primeira escola de administração do Brasil, a ESAN, em 1941. Para tanto, o mesmo viajou aos Estados Unidos para aprender sobre a gestão de um curso superior. Inspirado nas ideias trazidas de Harvard, no qual já despontava em seu currículo um tipo de administração chamada de “humanista”, o Padre Sabóia percebeu que a necessidade fabril, muito marcada à época pelas condições extremas ao qual os trabalhadores estavam submetidos, não era uma verdade absoluta e que era possível construir um ambiente saudável e produtivo sem a necessidade de exageros. Como não tinha recursos próprios para fundar sua escola, o padre manteve relações próximas a empresários e amigos, que ajudaram-no a financiar a ESAN, o sonho que tornava-se realidade.
É evidente, entretanto, que a administração enquanto prática já ocorria há séculos no Brasil, uma vez que todo negócio precisa de gestores. O pioneirismo do Padre Sabóia está em trazer o modelo de ensino da administração e tratá-la como uma ciência que merece ser estudada a fundo, tal qual uma outra área do conhecimento humano. Junto a ele, sem dúvida, poderíamos elencar nomes como Roberto Simonsen, que de maneira similar tentou construir através da Escola Livre de Sociologia de São Paulo (ELSP) uma nova mentalidade social, mas que não necessariamente estava focada somente na área da administração.
Por isso, ressaltamos o pioneirismo do Padre Sabóia, pois suas ações transformaram objetivamente o modo de aprender sobre administração. O Padre, entretanto, não se deteve apenas a esse aspecto do conhecimento. Ele também foi responsável por fundar a FEI, Faculdade de Engenharia Industrial, em 1946, no qual tinha como propósito formar engenheiros para trabalhar diretamente nas novas fábricas que surgiam no Brasil.
Hoje a FEI é a Fundação Educacional Inaciana "Padre Sabóia de Medeiros", uma Universidade que oferece diversos cursos na área de ciências aplicadas e que pertence à ordem dos jesuítas, sendo um dos legados do Padre Saboia.
Além disso, o Padre ainda escrevia artigos, tinha programas no rádio e cuidava de uma biblioteca que ajudou a fundar, em 1944. Como podemos notar, suas ações estavam ligadas sempre à formação da população, que em geral tinham pouco acesso à educação. Essa verdade fez com que o Padre Sabóia permitisse que pessoas que não tinham terminado seus estudos básicos entrassem na ESAN, pois sabia que o número de pessoas com essa qualificação era raro nos anos 1940.
Assim, a ESAN estava de portas abertas para quem quisesse aprender sobre o mundo da administração e suas teorias, desde o Taylorismo até a inovadora teoria humanista de Elton Mayo.
Entretanto, o Padre faleceu em 1955, precocemente aos 50 anos, vítima de leucemia. A doença o debilitou e pouco antes de sua partida seus companheiros da Companhia de Jesus (os jesuítas) assumiram a administração da ESAN e da FEI. Apesar da sua breve vida, os feitos do Padre Sabóia precisam ser reconhecidos como esse impulso inicial para o desbravamento da administração em nosso território.
Se hoje podemos debater com profundidade sobre as diversas teorias de nossa área é graças a esse homem, que enxergando a necessidade do seu tempo abriu a trilha que hoje todos nós percorremos.
Bom trabalho e grande abraço.
Prof. Adm. Rafael José Pôncio