terça-feira, 14 de março de 2023

Fritz Jules Roethlisberger, o homem que fez da fábrica um sistema social

O ser humano é um ser social. Basta olharmos para fora de nossa janela e percebermos o quão verdadeira é essa afirmação. De fato, nossa capacidade de organização é a melhor entre todas as espécies conhecidas, o que nos garantiu, ao longo de milhares de anos, desenvolver-se e se espalhar por todo o globo, tornando-se a espécie dominante da terra. Na natureza não somos os mais fortes, os mais resistentes e nem os maiores, mas sem dúvida somos os mais adaptáveis e inteligentes.

Visto essa grande vantagem da nossa espécie, seria impossível pensarmos em um estilo de vida em comunidade que não levasse em conta a subjetividade e os anseios humanos. Assim, criamos meios de nos divertir, formas de cultura e outra série de elementos imersos em nossa sociedade que nos causem satisfação, pois uma vez que tais demandas são contempladas podemos atuar de maneira mais colaborativa e eficaz.

Essa poderia ser uma conclusão de qualquer estudo sociológico a respeito da relação dos indivíduos e seu contexto social, mas foi, em parte, o que Mayo e seu grupo de cientistas descobriram através do experimento Hawthorne. Percebendo que os operários de uma fábrica não poderiam ser tratados como máquinas, essa geração de administradores levaram as ciências humanas para dentro do mundo industrial. Um dos grandes contribuintes para essa corrente da teoria da administração foi o americano Fritz Jules Roethlisberger, que não somente auxiliou Mayo em seu experimento, mas escreveu um dos principais tratados de teoria da administração. Por isso hoje conheceremos um pouco mais sobre esse pai da administração.

Fritz Roethlisberger entre a academia e a fábrica

A vida de Fritz Jules Roethlisberger iniciou no final do século XIX, em 1898, em Nova York. Advindo de uma família abastada, o jovem Roethlisberger pôde desfrutar de uma infância sem muitas preocupações, dedicando-se aos estudos e desenvolvendo suas habilidades. Naturalmente, buscou seguir o caminho do ensino superior, tornando-se um intelectual. Frequentou (e terminou) as faculdades de artes, em Columbia, de Química em Massachusetts e fez mestrado em filosofia, em Harvard.

Um currículo impressionante como este só se torna ainda mais chocante quando descobrimos que Roethlisberger estava com apenas 27 anos quando concluiu tais feitos acadêmicos. Analisando a trajetória universitária desse pai da administração poucos afirmariam que, anos mais tarde, ele estaria entrevistando operários em uma fábrica e desenvolvendo um dos estudos mais importantes da ciência da administração.

De fato, até 1925 pouco (para não dizer nada) que remetesse à indústria chamava a atenção de Roethlisberger. Seu destino como um professor universitário bem sucedido, com diversas honras e títulos, pareceria o mais correto e provável de acontecer, entretanto, quase nunca a vida é tão previsível assim. A história de Roethlisberger vai mudar no momento em que ele conhece Elton Mayo, em 1927. Àquela altura, Roethlisberger estava desenvolvendo um doutorado em filosofia, mas resolveu interromper suas pesquisas ao estar na presença de Mayo, que era motivo de grande admiração e respeito por parte de Jules.

O que mais impressionou Roethlisberger foi o fato de Mayo pensar de maneira distinta do senso comum a questão das relações de trabalho, criando um forte contraponto à teoria da administração científica. Não podemos afirmar com provas que o aspecto humanístico foi o que despertou em Roethlisberger a vontade de ajudar Mayo em seu experimento, mas basta pensarmos na própria formação acadêmica de Jules que perceberemos que não seria absurdo afirmar isso, uma vez que as ciências humanas estavam no meio de Fritz há muitos anos.

Sendo assim, Roethlisberger decidiu empenhar-se ao máximo para ajudar no experimento Hawthorne. Sua formação filosófica ajudou a embasar os fundamentos teóricos da teoria de Mayo, que, naquele momento, por mais que buscasse conduzir sua pesquisa aos moldes acadêmicos, deixava a desejar quanto a análise dos resultados e o método empregado. Roethlisberger, nesse sentido, foi uma peça fundamental para dar a consistência acadêmica que faltava em Mayo, sendo ele o responsável por tentar embasar as descobertas do experimento e criar assim a teoria das relações humanas.

Atuando como assistente de Elton Mayo entre 1927 e 1936, Roethlisberger não apenas adentrou ao mundo da administração, mas conheceu de perto a realidade dos operários em seu regime de trabalho voltado à máxima eficiência. Em 1939, junto com William Dickson, Roethlisberger lançou o seu livro “A organização e o trabalhador” 1 . A obra no mundo da administração é uma referência até os dias de hoje, não somente por suas ideias que mudaram, em grande parte, a visão que se tinha sobre a administração, mas também por ser um estudo de fôlego, com a rigidez acadêmica que se fazia necessária.

O diferencial da geração de Roethlisberger, quando comparada com os administradores científicos, talvez seja justamente o academicismo empregado em suas formas. Enquanto os científicos, notadamente Henry Ford, Frederick Taylor e Fayol, aprendiam sobre gestão na prática da fábrica, Roethlisberger e seus companheiros já estavam distanciados dessa realidade, aparecendo em fábricas somente para entrevistas e levantamento de dados, ambos fundamentais para a continuação de suas pesquisas.

Fritz Roethlisberger eternizando-se na administração

Mesmo não sendo um administrador “natural”, chamemos assim, Roethlisberger conseguiu contribuir de maneira eficaz na área da administração. Seguindo a corrente humanística, ele percebeu que a fábrica era, antes de tudo, um ambiente social. Isso significa dizer que os operários não são robôs, mas seres humanos e necessitam, tal como qualquer outro, de momentos de prazer, de relaxamento e de compromisso. Tais elementos, quando bem empregados, geram confiança no colaborador e este acaba produzindo mais.

A prova cabal dessa afirmação está no próprio experimento realizado por Roethlisberger, que mostrava, em síntese, a seguinte percepção: quando os entrevistados participavam da entrevista com perguntas pré-selecionadas, a resposta destes tendiam a ser genéricas e esquivas. Porém, quando perguntados sem nada para constrangê-los (como um chefe ou supervisor), estes conseguiam falar mais abertamente sobre suas demandas e ao sentirem-se partícipes da fábrica passavam a trabalhar mais. Além disso, outros fatores como a confiança no chefe, os odores exalados no ambiente e até mesmo a iluminação também ajudavam a tornar o ambiente da fábrica mais agradável e mais positivo para se produzir.

Seus demais trabalhos acadêmicos também buscam reforçar essa visão de mundo. Roethlisberger escreveu livros e artigos científicos até o fim da sua vida, tendo inclusive livros lançados postumamente. De fato, até 1974, ano de sua morte, ele atuou como professor de relações humanas em Harvard, cargo que ocupou por mais de 20 anos (1950 - 1974).

Sua dedicação à vida acadêmica fez com que sua vida privada se tornasse quase obsoleta nas pesquisas modernas. Por isso não sabemos exatamente detalhes de sua morte, assim como se teve descendentes. Assim, o silêncio destas informações denunciam uma possível vida anônima e solitária, na qual somente o desenvolvimento dos seus estudos era o centro. Apesar disso, mesmo sabendo tão pouco sobre a vida privada de Roethlisberger, a ciência e os estudiosos da administração jamais o esquecerão.

Bom trabalho e grande abraço.

Prof. Adm. Rafael José Pôncio


        Reprodução permitida, desde que mencionado o Nome do Autor e o link fonte.   

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