Há muito tempo existe um mito de que os interesses públicos e privados são, essencialmente, contrários. De igual modo, principalmente em nosso país, passamos a entender pelo senso comum que tudo que é “público” tem por natureza a ineficiência, enquanto que o “privado” é tido como uma gestão mais eficaz. Essa mentalidade não está totalmente errada, uma vez que se baseia em diversos exemplos reais quando se trata do Brasil e muitos outros países, porém, mesmo aceitando a validade deste argumento, será mesmo que essa é uma divisão real e inconciliável?
Hoje conheceremos um pouco sobre um dos principais teóricos clássicos da administração e sua batalha para provar que política e administração deveriam andar de mãos dadas. Estamos falando de Luther Halsey Gulick, o homem que tentou unir estes dois mundos.
Gulick, do Japão aos gabinetes americanos
A vida de Luther Halsey Gulick, que durou exatamente um século, foi marcada por uma intensa atividade intelectual. Filho de um missionário Cristão, o fiel seguidor do Taylorismo nasceu em Osaka, no Japão, no ano de 1892. Seu pai, Lewis Gulick, mudou-se para o continente asiático para propagar a fé em Cristo no Oriente, algo que para a família do nosso administrador em destaque mostrava-se como um padrão. Se retomarmos a árvore genealógica de Gulick, perceberemos que por três gerações seguidas formaram-se missionários, sendo esta “tradição” familiar quebrada justamente por Luther.
Ainda assim, pouco sabemos sobre sua infância no Japão. Os dados biográficos de Gulick ficam mais evidentes a partir da sua formação pela Oberlin College, universidade da região de Ohio no qual Gulick formou-se em administração. A ida para os Estados Unidos, porém, não se mostrou fácil. Apesar de conseguir seu diploma em 1914, aos 22 anos, sua cidadania americana só foi reconhecida quatro anos depois, em 1918. Mesmo sendo um filho legítimo de pais estadunidenses, o fato de ter nascido em outro país mostrou-se uma barreira para Gulick, visto até então mais como um estrangeiro do que propriamente um homem americano.
Ainda assim, sua formação em administração o levou a diversas funções acadêmicas. Seus artigos científicos criaram uma divisão entre a opinião sobre o papel da administração no âmbito público. Desse modo, ao longo da sua jornada acadêmica Gulick cultivou diversos rivais e pensadores que não concordavam com suas ideias. Diferentemente dos primeiros teóricos da administração clássica, que aprenderam sobre gestão durante suas vidas profissionais em fábricas, Gulick foi um intelectual e conjecturava suas teorias sentado em seu gabinete.
Público versus Privado
Adepto às ideias de Frederick Taylor, uma das principais ideias de Gulick versava sobre a necessidade de aplicar uma administração científica no âmbito governamental. Essa ideia, que hoje nos parece tão natural, foi pouco aceita entre os administradores, que viam o campo da administração completamente distante do papel do Estado. Para estes, a administração deveria resumir-se ao campo econômico, notadamente aos interesses privados e não caberia a estes pensar os problemas de ordem pública.
Mesmo com pouco crédito entre seus pares, Gulick mostrou-se um trabalhador fiel aos seus ideais. Após concluir seu doutorado em 1920, passou a lecionar na Universidade de Columbia por onze anos (1931 - 1942), além de ser membro de diversos conselhos de administração pública. Em verdade, Luther Gulick chegou até ao cargo de administrador da cidade de Nova York, além de se tornar um dos principais administradores públicos durante o governo de Franklin D. Roosevelt, o presidente dos Estados Unidos durante grande parte da II Guerra Mundial.
Desse modo, por mais que Gulick nunca tenha administrado diretamente um empreendimento, em seu sentido restrito, podemos afirmar que sua empresa era, enfim, o próprio Estado. Sua função, em última análise, era tornar a burocracia estatal em uma máquina eficiente. Para isso, ele insistiu em um modelo de governo descentralizado, em que as decisões não ficassem presas na burocracia hierárquica, o que geralmente torna a gestão lenta e ineficaz. Isso não significa dizer, evidentemente, que na administração pública não haveria uma cadeia de comando, mas sim que nem todas as decisões precisariam chegar até o mais alto escalão para serem tomadas.
Sua busca pela eficiência o levou a presidir o Instituto de Administração Pública dos Estados Unidos por 20 anos (1962 - 1982), instituição esta que frequentou por mais de meio século. Durante todo esse tempo Gulick publicou livros, artigos científicos e participou de inúmeras reuniões acadêmicas para provar que a administração pública não poderia ser tratada como uma área menor da ciência da administração.
A inserção de Glulick na política era tamanha que o administrador chegou a participar de reuniões internacionais do Pós-Guerra, em 1945 e 1946, para traçar um plano econômico de restauração das economias europeias. Visto isso, é inegável o valor da sua visão acerca da administração científica e como ela é eficaz quando colocada à serviço do governo.
Conclusão
Gulick defendia uma gestão técnica, que não fosse tocada pelas manobras políticas que tanto conhecemos. Desse modo acreditava piamente que nenhuma forma de administração poderia estar ausente da política, pois a divisão que falamos de “público” e “privado” é apenas artificial. Colocando em exemplos, podemos imaginar que qualquer empreendimento, seja aqui ou em qualquer outro país, estará sujeito, em maior ou menor grau, de decisões políticas. Uma nova lei pode surgir e alavancar (ou atrapalhar) seus negócios, uma crise financeira pode dificultar suas transações comerciais, aumento de impostos e outra série de medidas que fazem com que o campo do público e o privado se misturem.
Luther Halsey Gulick chegou aos 100 anos de idade, falecendo em 1993, em Vermont. Um dos seus legados são seus filhos e netos, que perpetuam a gens Gulick com o passar do tempo. Porém, seu principal legado está em sua contribuição acadêmica, uma vez que esta mantém-se imortal. Podemos afirmar que sua dedicação ao desenvolvimento da administração e a difusão desta ciência ao longo das décadas acrescentou um viés acadêmico para a teoria clássica da administração.
Bom trabalho e grande abraço.
Prof. Adm. Rafael José Pôncio
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