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terça-feira, 11 de abril de 2023

Mary Parker Follet, a grande dama da administração

Uma antiga frase diz que “a História traz a redenção aos injustiçados”. Quando analisamos a vida de diversos personagens históricos como Hipátia e Giordano Bruno, por exemplo, podemos compreender que, de fato, ao longo do tempo pessoas que não foram bem compreendidas em sua época acabam por serem redescobertas.

No caso de Hipátia, a matemática e filósofa chegou a ser diretora da biblioteca de Alexandria, considerada uma das maiores instituições intelectuais do século V, junto com a Academia de Atenas, fundada por Platão. Apesar da sua brilhante carreira, Hipátia teve um fim trágico ao ser morto por fanáticos religiosos, que não aceitavam seu papel na sociedade. Grande parte dos seus ensinamentos foram queimados e por mais de mil anos a grande filósofa de Alexandria foi relegada ao esquecimento. Já o caso de Giordano Bruno, frade dominicado que viveu no século XVI, também é emblemático. Condenado à fogueira pela inquisição, o filósofo não somente aceitou sua condenação como profetizou que séculos mais tarde existiria uma estátua sua no mesmo local onde estava sendo levado à morte.

Assim, parece-nos que a História, uma hora ou outra, acaba sendo revelada e aqueles tidos como loucos provam-se, na verdade, como os mais lúcidos do seu tempo. É evidente que para isso ocorrer é preciso que busquemos enxergar tais injustiças e corrigi-las o quanto antes, como no caso da administradora que conheceremos um pouco mais hoje: Mary Parker Follet, a grande dama da administração moderna.

Quem foi Mary Parker Follet?

A história de Mary Parker Follet começa nos Estados Unidos, na cidade de Quincy em 1868. Como podemos imaginar, os primeiros anos da vida de Follet não foram tão diferentes de qualquer mulher que nascesse no século XIX. Sua rotina dividia-se entre o ensino básico e as atividades domésticas, o que, para muitas damas dessa época, seria uma realidade quase insuperável. Porém, graças a influência de uma professora, a jovem Mary Parker conseguiu perceber que poderia seguir outras profissões que não fosse cuidar dos filhos e do lar.

Desde os doze anos de idade começou a se debruçar sobre o pensamento científico e como era possível compreender o mundo através da razão. A grande admiração de Follet pela ciência foi por sua precisão de resultados e, acima disso, a possibilidade de verificar se o experimento estava correto ou não. Assim, os experimentos para a teórica da administração passaram a ser uma tônica em sua vida, na qual tornava palpável a realidade, que até então era vista como uma especulação.

Desde então Follet passou a desejar ser cientista. Isso não significa dizer que ela queria viver dentro de um laboratório, criando novas fórmulas químicas como geralmente pensamos quando imaginamos um cientista. Devemos lembrar que o pensamento e método científico se aplica fora dos laboratórios, tendo como principal ambiente a própria vida. Não por acaso temos as ciências humanas, que vão tratar diretamente do comportamento e vida social e, naturalmente, a administração está dentro desse grande bloco de disciplinas.

Follet conseguiu ao longo de sua vida formar-se em filosofia, direito, economia e administração e para isso precisou superar uma série de barreiras. A primeira delas estava diretamente ligada à sua condição de mulher, visto que tinha pouco espaço para o gênero feminino nesse período. Estamos falando do início do século XX e apesar de existirem grandes damas na ciência como Marie Curie e Florence Bascom, elas ainda eram a extrema minoria dentro das universidades e grandes pesquisas.

De maneira objetiva, Follet precisou batalhar para conseguir entrar em Harvard, uma vez que na época o renomado centro de estudos superiores não aceitava mulheres em seu corpo de estudantes regulares. Assim, Mary Parker foi conduzida pelo anexo da universidade, como uma estudante à margem da grade regular. Apesar disso, em 1898 Follet formou-se com honras na universidade, recebendo o título summa cum laude, dado somente aos alunos que atingiram pontuação máxima.

Mary Follet, do esquecimento ao redescobrimento

Apesar da sua grande capacidade intelectual, é fato que durante os anos 1920 e 1930, época em que Follet desenvolveu suas principais teorias, praticamente ninguém a conhecia. Na época a teoria vigente ainda era o Taylorismo, focado na produção em seu mais alto nível. Follet, porém, não compartilhava dos princípios empregados por Taylor e por isso é geralmente classificada como uma das pensadoras da escola das relações humanas, que mais tarde ganharia projeção a partir dos trabalhos de Elton Mayo.

Follet percebeu que a dinâmica de empresas, que naquele período se definia a partir de uma oposição entre patrões e empregados, era nociva à produção, visto que ambas as partes sentiam-se lesadas nas relações de trabalho. De um lado os patrões sentiam que seus empregados poderiam render mais, dedicando mais horas e trabalhando de maneira mais esforçada. Do outro, os empregados não se sentiam valorizados pelos gestores, recebendo baixos salários e condições de trabalho pouco gratificantes. Desse modo, o ambiente dentro da empresa era uma eterna trincheira, em que mais assemelhava-se a um conflito bélico do que uma relação de trabalho. Como resolver este conflito então? 

As duas principais teorias de Mary Parker Follet vão debruçar-se para melhorar os conflitos no trabalho. Como lidamos com seres humanos, que pensam e são autoconscientes, devemos sempre considerar o universo interior que há em cada um de nós. As angústias, prazeres, ambições e desejos são variáveis que devem estar sempre pesando na balança das relações e por isso não é tão simples criar um método que atenda com eficácia todas as pessoas. Como se costuma dizer, “não há receita para uma relação perfeita.”  Sabendo disso, Follet tentou estabelecer duas relações fundamentais que melhorariam a convivência no ambiente de trabalho e, consequentemente, a produção. A primeira delas foi a resposta circular, que basicamente vai apontar que em toda interação humana é fundamental que cada resposta seja considerada em uma discussão, no qual a opinião de uma pessoa irá interferir no meu posicionamento. Quando ambas as partes atuam a partir deste princípio as relações tendem a se harmonizar, criando um ambiente mais favorável e respeitoso. 

A outra teoria é o conflito construtivo, no qual parte do pressuposto que a divergência é natural e benéfica em todas as relações. Assim, precisamos discordar para construir um novo olhar/ponto de vista sobre algum aspecto da vida. É graças às discordâncias que as mudanças ocorrem e, naturalmente, um reposicionamento frente a um dilema ou problemática existente. Quando se faz esse processo de maneira construtiva, ou seja, buscando uma resolução mais apropriada e não como uma “queda de braço” entre duas opiniões, o resultado do conflito acaba sendo benéfico para a empresa pois chega-se a um denominador comum. 

Tais ideias são básicas para as nossas relações diárias, certo? Porém elas definitivamente não foram aceitas no contexto em que Follet vivia. Por isso que até a sua morte, em 1933, o Ocidente praticamente a considerava uma desconhecida, mesmo sendo uma cientista renomada em outros países. Mary Parker Follet fez palestras no Oriente e em alguns países da Europa, mesmo sendo esquecida no seu próprio território. 

Apesar de passar décadas no esquecimento, hoje ela é uma das principais referências da administração moderna. Suas ideias são a base de qualquer prática de convivência comum, seja no trabalho ou na nossa vida privada. Assim, a história mais uma vez provou que traz a redenção para os injustiçados, desta vez não precisando passar séculos ou mesmo um milênio para trazer o reconhecimento tão merecido à essa grande dama da administração.

Bom trabalho e grande abraço.

Prof. Adm. Rafael José Pôncio



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