Thorstein Veblen (1965) e Marcel Maus (1974) foram
pioneiros em defender a interpretação simbólica e social do consumo.
Veblen, em especial, considerado o precursor desse tipo de abordagem
social do consumo, expõe suas críticas à visão utilitarista e individual
do consumo em “A teoria da classe ociosa” (1965).
Publicado
originalmente em 1899, o livro foi produzido em uma época de transição
do comportamento de consumo. Veblen analisou o início do consumo de
produtos e serviços em massa, naquela ocasião, de uma classe de
consumidores dos Estados Unidos designada por ele como a classe ociosa.
Para esse grupo, o consumo tinha como finalidade primeira a de
demonstrar riqueza e status social. Assim nasce a teoria do consumo
ostentatório (BARROS, 2009).
A
classe ociosa designava um perfil de pessoas que conseguiam se manter
sem trabalhar. O grupo se distinguia da aristocracia tradicional, mas
não pela condição financeira, e sim pelas práticas de exibição da
riqueza. Para os aristocratas, a sua condição econômica elevada nunca
fora fruto do trabalho, mas de herança.
Já
para a classe ociosa, a acumulação de riqueza foi possível devido ao
envolvimento direto com o processo de trabalho e, por isso, fortunas
eram investidas na manutenção do ócio e no consumo ‘exagerado’ de bens.
Esse tipo de comportamento, para esse grupo, simbolizava o mérito da
ascensão social e, ao mesmo tempo, evidenciava o distanciamento entre os
aristocratas (DUARTE, 2010).
Nesse
sentido, o consumo pode ser analisado como uma construção social
simbólica cultural para classificar e distinguir grupos. O consumo é,
ainda, a representação, passível de inúmeras interpretações, do sistema
de códigos para classificar indivíduos e ambientes por meio da ‘leitura’
dos hábitos de compra de produtos e serviços.
Particularmente os pensadores Veblen (1965), Douglas (1978), Sahlins (1979) e Rocha (1985)
defenderam a ideia de se entender o consumo como um modo privilegiado
de comunicação entre os indivíduos, uma oportunidade em poder criar
“barreiras ou pontes” nas diferentes relações sociais para suprir
necessidades simbólicas (BARROS; ROCHA, 2006).
Antes
da Sociedade de Consumo, o sentido de estima social estava atrelado às
realizações de “façanhas e proezas”. A mudança de comportamento nas
relações de consumo fez da propriedade ‘o’ símbolo da materialização da
realização pessoal. O ócio se transformou em representação social de
atributos, como respeito e refinamento de classes consideradas
‘superiores’. Os gastos supérfluos ganham visibilidade e dimensão de
importância, se comparado às atividades básicas de consumo (VEBLEN, 1965).
Qual é a contribuição da Antropologia do Consumo nas pesquisas de mercado?
Se
o fenômeno do consumo é impregnado de símbolos culturais implícitos, na
pesquisa de mercado, a abordagem antropológica permite interpretar como
sujeitos e grupos se relacionam com as compras de bens e serviços. A
Antropologia do Consumo analisa como o ato de consumir está inserido na
dinâmica social de determinado segmento, como as pessoas comunicam seus
desejos, identificam-se na sociedade contemporânea, as formas de
diferenciação entre os sujeitos com os seus pares e em relação aos
demais grupos.
Na prática,
os antropólogos são contratados pelas empresas para aplicarem a
metodologia de investigação antropológica – documentação sistemática,
observação participante e entrevista aprofundada – à pesquisa mercado.
Os dados coletados por meio da observação do comportamento de sujeitos
ou grupos durante sua rotina permitem identificar até mesmo as demandas
que as próprias pessoas não se deram conta.
As
informações, sobretudo, subsidiam o aperfeiçoamento do trabalho
conjunto de diversos profissionais da mesma equipe (gestores,
engenheiros, designers, vendedores etc.), rumo a suprir a necessidade do
cliente, seja na criação de novos produtos e serviços ou na adequação
dos já existentes.
O
registro dos primeiros antropólogos a desempenharem pesquisa para as
empresas é datado na década de 1930. No entanto, as companhias
investiram efetivamente na contratação de cientistas sociais, dentre os
quais os antropólogos, a partir de 1960. O intuito era tornar os
trabalhadores mais produtivos e conhecer o perfil dos consumidores (FARIA, 2009).
E o que é Etnografia na Antropologia?
De maneira simplista, a Etnografia é o estudo e a descrição dos povos, sua língua, raça, religião etc. (BUENO, 2007).
Essa metodologia de pesquisa antropológica, na perspectiva de mercado,
encontra seu objeto de estudo (consumidor) inserido no mundo globalizado
e habitado por cidadãos cosmopolitas.
A Etnografia como instrumento de investigação
O
fácil e rápido acesso a milhares de informações permite uma mesma
pessoa ter diversas experiências culturais em um mesmo dia, acessar os
diversos grupos, falar uma ou mais línguas, ter uma religião e
simpatizar com outras tantas, morar distante milhares de quilômetros da
praia e, mesmo assim, comprar suas roupas em lojas de surfwear.
Além
disso, o contato com inúmeros estímulos internos e externos ao
consumidor pode fazê-lo alterar seu comportamento de consumo a qualquer
momento. A etnografia como instrumento de pesquisa constitui uma
metodologia adequada a esse tipo de investigação, em razão de observar e
analisar o comportamento de consumo de bens simbólicos, identificando a
realidade sob uma perspectiva antropológica, a eventual solução de
problemas de gestão, produção e posicionamento das marcas, criando
possibilidades mais significativas de sucesso (BRANDINI, 2007).
Case da Lego: Pesquisa etnográfica muda destino dos negócios
Em
algumas corporações, a pesquisa etnográfica e a análise antropológica
podem nortear mudanças significativas no quadro produtivo para atender à
demanda do consumidor. A antropóloga portuguesa Ana Rita Faria relatou o
caso da Lego na revista Público (2009), a fabricante de brinquedos com origem dinamarquesa.
Em
meados de 2004, a Lego se encontrava em difícil situação por causa das
quedas nas vendas e a elevação exponencial de dívidas. Naquele ano,
Jorgen Vig Knudstorp assumiu a direção da empresa. Uma das medidas para
reverter o quadro de ‘quebra’ era descobrir o motivo para tamanha
estagnação comercial.
O
diretor contratou a consultoria dos antropólogos, sociólogos e
psicólogos da ReD Associates. O membro da consultora, Christian
Madsbjerg, formado em ciência política e filosofia, revelou à
antropóloga que, para investigar a situação da Lego, os cientistas
sociais trabalharam durante quatro meses com um grupo de 100 crianças.
Nesse
período, as crianças foram acompanhadas pelos cientistas em seus lares
durante suas rotinas em convivência familiar, na escola, observando-as
em horas de conversas e brincadeiras, entrevistando seus pais e fazendo
compras com as famílias. Um vasto material foi levantado e a coleta de
dados incluiu a produção de diários fotográficos e de vídeos. Nenhuma
suposição está inserida nesse processo de pesquisa, apenas as
informações coletadas servem como referencial para as análises.
Suposições de comportamento afastaram os consumidores da Lego
Na
verdade, o resultado da consultoria indicou que a Lego produziu
brinquedos com base em pressuposições a respeito do comportamento das
crianças. A empresa acreditava que os blocos não atendiam mais o gosto
dos ‘pequenos’, porque as crianças preferiam brincar com jogos fáceis,
eletrônicos e de instantânea diversão.
O
resultado da consultoria revelou o grave equívoco da Lego em relação a
sua percepção sobre o seu consumidor. A decadência nas vendas dos
brinquedos, nesse sentido, não estava vinculada à mudança de
comportamento das crianças em relação aos ‘blocos’, mas à mudança de
entendimento da empresa sobre o interesse real do brincar para as
crianças.
A pesquisa
demonstrou que as crianças continuavam atraídas pelos jogos físicos e de
difícil resolução, e não se importavam em investir na brincadeira todo o
tempo necessário para a conclusão da montagem do brinquedo. A Lego, com
base em sua pressuposição, produziu brinquedos mais agressivos, de
fácil montagem e de baixa exigência criativa, o que afastava cada vez
mais o consumidor. Ao mesmo tempo, a consultoria identificou nos pais
uma nostalgia latente pelos antigos blocos. Para o consultor da ReD
Associates, a Lego tinha perdido o vínculo com as crianças.
Com
base na pesquisa, a Lego retomou seu relacionamento com as crianças e
suas famílias, comprometendo-se, essencialmente, com a criação de
significado dos seus produtos. Dez anos após o fatídico quadro de
drásticas reduções nas vendas, o Grupo Lego representa hoje um dos
maiores e mais bem-sucedidos fabricantes de brinquedos do mundo.
Criar insights
Madsbjerg
e Rasmussen, ambos da ReD Associates, publicaram um artigo em 2014
sobre a experiência de empresas globais para as quais a consultora foi
contratada. Os especialistas evidenciam as contribuições das ciências
humanas como sendo a mais distinta das abordagens para a compreensão do
cliente e, ao mesmo tempo, a mais eficaz para analisar as variáveis e
condicionantes do ato do consumo.
O
método, segundo os especialistas, revela a forma de interação
particular do sujeito com o mundo, promovendo constantes insights, o
que, para os consultores, não seria possível alcançar com as ferramentas
convencionais de pesquisa de mercado. Capaz de criar significados, a
metodologia antropológica se distingue por revelar, até mesmo, as
motivações inconscientes do consumidor em suas práticas de consumo.
A
gênese para a criação desse significado é aprender a pensar o problema
como um fenômeno oriundo da experiência humana. Esse esforço conceitual
distancia as empresas da visão restrita do mercado, realocando sua
análise sob a perspectiva realidade percebida e vivenciada pelo cliente.
Como pesquisar as pessoas e suas experiências?
A
fenomenologia é o estudo sobre como as pessoas vivenciam suas
experiências. Para estudar pessoas e estruturar o processo de criação de
significado, a fase inicial da pesquisa é a coleta de dados. Sem
hipóteses prévias constituídas e nem roteiros de discussões dirigidos em
grupos, os cientistas sociais se envolvem na vida do participante. A
coleta irrestrita de informação pode proporcionar um banco de dados
consistente à interpretação da experiência do consumidor.
Depois
de efetuada a coleta dos dados, a análise deve unir pontos comuns de
recorrência para identificar padrões de comportamento. O processo é
descrito como o descascar de uma cebola. Nas camadas mais externas estão
os fatos diretamente observados, nas camadas seguintes estão as
práticas e os hábitos dos consumidores que revelam seus comportamentos
e, na camada central, as causas implícitas para desencadear tais
comportamentos. Nas camadas mais internas, a única maneira de serem
revelados esses padrões de comportamento é por meio de observações (MADSBJERG; RASMUSSEN, 2014).
Para
distinguir as diferenças entre as metodologias de pesquisa, basta
utilizar a explicação destacada no artigo sobre a pesquisa em
determinada cafeteria. Madsbjerg e Rasmussen (2014)
colocam em termos práticos as distintas formas de pesquisa, sendo a
função da ciência do gerenciamento quantificar e projetar as xícaras de
café a serem consumidas diariamente e, por outro lado, interessa a
fenomenologia revelar como o cliente sente a experiência do café.
Antropólogo no bar
Insistimos
em apresentar, neste tópico, mais um exemplo de como as ciências
humanas podem contribuir para analisar a experiência do consumo (MADSBJERG; RASMUSSEN, 2014). O caso a ser destacado é de uma indústria europeia de cervejas e o declínio nas vendas do seu produto em bares e restaurantes.
Importa
destacar o constante investimento da empresa em pesquisa de mercado e
análise competitiva.
Outro aspecto era a evidente satisfação dos
clientes quanto ao produto, prova disso era a elevada venda da cerveja
em depósitos e supermercados. O foco da pesquisa, então, era investigar a
razão pela qual o comércio de cervejas nos bares e restaurantes não
estava equivalente.
A marca
recorreu às tradicionais abordagens de pesquisa e, após esgotar esse
recurso, delegou a uma equipe de antropólogos a responsabilidade de
descobrir a razão da disparidade de vendas nos distintos
estabelecimentos comerciais. Os pesquisadores foram enviados a diversos
bares do Reino Unido e da Finlândia, sem nenhuma hipótese estabelecida.
Após
uma intensa temporada de experimentação da rotina dos bares e da
observação do seu público (proprietários, frequentadores e
funcionários), os antropólogos retornaram com farto material de
pesquisa, incluindo milhares de registros fotográficos, anotações de
campo e 150 horas de vídeo etnográfico.
Padrões identificados na investigação sobre a queda nas vendas de cervejas
Os
dados brutos foram analisados pelos antropólogos e executivos da
cervejaria. Para empreender a análise inicial, o foco era descobrir
padrões de comportamento para identificar onde estavam os entraves nas
vendas. Um dos padrões encontrado entre os donos de bares foi a
subutilização de material (camisetas, adesivos, copos etc.) promocional
da empresa. Uma surpresa para os executivos da marca que, até então,
acreditavam no sucesso de aceitação da campanha.
O
sentimento de falta de perspectiva no emprego, o ressentimento pelo
constante assédio, a ausência de conhecimento sobre os produtos da marca
e o desinteresse em aprender foram os padrões identificados no
comportamento das garçonetes. As profissionais eram consideradas pelos
executivos como sendo vitais ao processo de venda da cerveja.
A
cervejaria alterou completamente sua atuação frente aos setores de
bares e restaurantes. Ao invés de material promocional padronizado, a
empresa optou pelo desenvolvimento de itens personalizados para
diferentes bares e proprietários de bares. Os vendedores foram
submetidos a treinamentos para melhorarem sua compreensão quanto às
demandas dos proprietários dos estabelecimentos. Para instruir os
garçons e as garçonetes sobre os produtos da marca, a empresa ofereceu
cursos de formação nos locais de trabalho. As mulheres também foram
atendidas em outras áreas, com a oferta de serviço de táxi para as que
cumprem expediente a noite. A recuperação das vendas ocorreu no período
de dois anos e, desde então, apresentam ascensão no mercado.
Biologia do Comportamento do Consumidor
A
Biologia do Comportamento do Consumidor é uma área nova de pesquisa no
Brasil. Então, para subsidiar nossos estudos, proponho-lhes disponibilizar
alguns questionamentos do autor Pedro Camargo (2010)
sobre o interesse do marketing pela natureza humana em seu sentido
biológico. A escolha desse autor se faz essencial, em razão de o
especialista ser o criador desse campo de investigação no país. Por
isso, vamos utilizar mais citações dele para exemplificar os parâmetros
científicos dessa ciência aplicada ao consumo.
Além da neurologia, Camargo (2010)
incluiu nos seus estudos a psicologia evolucionista, a genética
comportamental, a biologia, a endocrinologia comportamental, a etologia e
a relação de todas essas áreas com o comportamento de consumo. Dessas
vertentes, um novo campo de investigação sobre comportamento foi moldado
e ele convencionou denominar Biologia do Comportamento do Consumidor
(BCC), que, de maneira objetiva, estuda aspectos biológicos que
influenciam, de maneira inconsciente, o comportamento do consumo.
A
intenção do autor é provar não existir comportamento humano separado
dos aspectos anatômicos e fisiológicos. A biologia, para ele, é o ponto
de partida para qualquer análise sobre o comportamento humano, mesmo
quando observados pelo viés da antropologia, da sociologia e da
psicologia.
A natureza humana do consumidor, economia natural e animal
Segundo Camargo (2010),
essa visão da influência da biologia sobre o comportamento humano é
compartilhada por estudiosos e profissionais de áreas como a
neurociências, endocrinologia, psicologia evolucionista e genética
comportamental. No entanto, nos estudos de comunicação mercadológica e
marketing, não é dada a devida ênfase ao assunto.
No entendimento do autor (CAMARGO, 2010),
nós, humanos, não somos formados somente por mentes. Nós somos seres
orgânicos e, dessa forma, nossas ações estão intimamente ligadas a essa
dinâmica. Nesse sentido, não se nega a influência social à cultura do
comportamento humano, mas anseia acrescentar a todas essas análises os
aspectos genético, físico-químico, metabólico, neurológico, ancestral,
ou seja, biológico.
No campo
da BCC, a economia é tratada como um fenômeno natural e não uma criação
do homem.
A vida, na perspectiva evolucionária, dotou o ser humano e os
animais com habilidades para sobreviver em um ambiente complexo,
rápido, mutável e, muitas vezes, perigoso. Segundo o especialista, para
toda criatura, o processo evolucionário envolve a aquisição de recurso
para viver o maior tempo possível e procriar.
A
economia, por sua vez, é um campo que investiga a produção, a
distribuição e o consumo de bens e serviços. Uma das atribuições da
economia é explicar como funcionam esses mecanismos econômicos e a forma
de interação dos agentes econômicos. Na economia, as formas do
comportamento humano são limitadas apenas aos resultados da relação
entre os recursos limitados e as carências múltiplas e infindáveis.
O
número em si é um objeto da matemática utilizado para descrever ordem,
quantidade ou medida. A economia trabalha com números. O preço tem uma
descrição numérica e nesse aspecto está, também, a capacidade humana de
reconhecer as distintas importâncias para fazer suas escolhas. Os
humanos contabilizam e os animais também.
Camargo (2010)
discorre que a economia tem bases naturais, porque há influência
biológica no comportamento econômico. A economia está impregnada de
artifícios de produção e sobrevivência dos animais. Um exemplo destacado
é quando os chimpanzés caçam. A estratégia da caça é atuar em grupo e
dividir a presa somente para os seus participantes. O chimpanzé que não
participa da caça não recebe pedaço algum.
Com
relação à distribuição da presa em quantidade equivalente aos
participantes da caça, observa-se, nessa estratégia, ainda, o senso
numérico. A matemática básica é parte da natureza e, provavelmente,
inata aos seres humanos e aos animais. Para testificar o senso numérico
inato na Natureza, o autor cita o trabalho de pesquisa da psicóloga
Claudia Uller, a respeito do comportamento de salamandras e o potencial
de distinção entre números altos e baixos.
Sua
equipe testou as salamandras disponibilizando quantidades distintas de
moscas das frutas, presas em tubos de ensaio transparente. Os
pesquisadores, em sua observação, identificaram a capacidade numérica
desses anfíbios. A constatação foi que as salamandras se dirigiam mais
aos tubos com maior quantidade de moscas, mas somente quando a diferença
entre os tubos estava entre 8 e 16 moscas. Em menor quantidade, não
havia predileção ao tubo com maior quantidade.
Outro exemplo de que a economia básica de valoração por quantidade é inata refere-se aos bebês. Camargo (2010)
cita a pesquisa desenvolvida em 1992 por Karen Wynn, que demonstrou que
os bebês de quatro meses de idade têm capacidade de resolver problemas
de adição e subtração. Até então a percepção de numerosidade estava
atrelada após a criança aprender a contar. A pesquisa foi replicada por
outros pesquisadores e o mesmo resultado foi confirmado, a percepção de
números é inata ou a adquirimos logo depois do nascimento. Como
ratificou o autor, não é necessário aprender palavras ou símbolos para
ter a percepção de numerosidade. A economia é filogenética e não apenas
aprendida.
Evolução humana e comportamento
A economia, nesse sentido, está impregnada nos genes, na química corporal e na fisiologia. Segundo Camargo (2010),
o que separa o homem dos animais é o aspecto cognitivo mais avançado. O
córtex cerebral – no qual está situada a região do pensamento, do
planejamento, da visão de futuro – é maior, se comparado aos outros
animais. No entanto, o comportamento econômico e de consumo está
distribuído por todo o cérebro, incluindo o sistema límbico, responsável
por processar emoções, e o “complexo R” (processa comportamentos
relacionados à reprodução e à sobrevivência).
O
comportamento, portanto, também é fruto do processo da evolução humana.
Textos foram produzidos na década de 1980 para defender tal hipótese. A
certeza difundida era de que determinados comportamentos humanos foram
geneticamente consolidados, herdados e estão relacionados à preservação
da espécie, à sobrevivência e à reprodução.
Na
economia, novas possibilidades de pesquisa surgiram a partir dessa
análise. Os comportamentos, antes inexplicáveis pela economia ortodoxa,
podem ser investigados sob a perspectiva dessa nova ciência baseada na
biologia. Os estudos das finanças comportamentais e da economia
comportamental, área do comportamento do consumidor, têm como legado os
modelos de conduta estabelecidos na pré-história.
Apesar
de haver uma evolução social e cultural, continuamos agindo como nossos
ancestrais, porque as motivações na maneira de agir estão diretamente
ligados à adaptação. Mesmo com as mudanças das motivações externas para
desencadear nossas ações, com o avanço da sociedade e todo seu arcabouço
cultural e tecnológico, mesmo os nossos predadores não sendo os mesmos
atualmente, nossa anatomia e processamento cerebral ainda contêm muito
das instruções dos nossos ancestrais. A evolução social e cultural é
mais rápida que a evolução biológica. Para os psicólogos evolucionistas, a programação inata constitui um
fator determinante para explicar o porquê do nosso agir (CAMARGO, 2010).
Psicologia evolucionista
A
psicologia evolucionista procura compreender a mente humana como
resultado dos processos físico-químicos e biológicos evolutivos, a
influência dos nossos ancestrais em nossos comportamentos humanos, que,
apesar de modificada, não foi anulada pela evolução das sociedades
humanas. Trata-se, para Camargo (2010), de mais uma tentativa de conciliar as ciências biológicas e as ciências sociais.
A abordagem biológica para o estudo do comportamento humano, para o autor (CAMARGO, 2010),
é a tentativa de agregar essas descobertas à ciência do consumo. O
pressuposto inicial é a vinculação do nosso comportamento a um cérebro
ancestral. Nas palavras do autor, o neocórtex planeja e a sua função e o
objetivo são de pensar sobre a decisão, mas não é a área que aciona a
decisão.
O sistema límbico
tem a função de sentir, verificar o pressentimento. O tomador de
decisões é o “complexo R”, também conhecido como cérebro velho ou
cérebro reptiliano. O complexo R é constituído pelo tronco encefálico e
amígdala, centros relacionados à regulação de comportamentos. Essa é a
parte do cérebro que é invocada e dispara a decisão.
O
pensamento e os princípios desses adaptacionistas são os mesmos dos
biológicos evolucionistas, a diferença reside nas suas hipóteses que
estão situadas no campo da psicologia. Da mesma forma, as respostas para
os comportamentos nada racionais dos humanos podem ser buscadas na
etologia, na paleontologia, na paleoantropologia e na arqueologia.
Os
psicólogos evolucionistas justificam que muito do comportamento humano é
gerado por adaptações psicológicas, envolvendo resolução de problemas
pertencentes ao ambiente humano ancestral. Assim, para entender o humano
e suas ações, é necessário acessar conhecimentos científicos
específicos, porque as mudanças evolutivas são invisíveis à observação
direta. A evolução biológica está descrita nas pedras, por meio dos
fósseis humanoides e seus objetos, mesmo no comportamento dos animais,
em pesquisas efetuadas, como já mencionado, pela arqueologia,
paleontologia, pela genética comparada e até pela etologia, podem
comprovar caminhos tomados por uma ou várias espécies de seres vivos.
Psicologia evolucionista e o comportamento do consumidor
A
psicologia evolucionista tem seu eixo na teoria evolutiva de Darwin,
nas ciências naturais, na genética mendeliana, dentre outras ciências
que lhe fornecem rigor científico. No livro The Evolutionary of Consumption, Gad Saad (apud CAMARGO, 2010)
desafia a visão ortodoxa da ciência social sobre o comportamento do ser
humano ser aprendido pela socialização. Ele sugere que parte do nosso
comportamento pode ser afetada pela natureza humana.
Camargo (2010)
usa como exemplo a escolha de um perfume. A tomada de decisão é feita
sob forte influência das necessidades do organismo. A escolha tem como
referências o nosso odor natural e o sistema imunológico, pois, de
acordo com as bases evolucionistas do consumo, procuramos parceiros, o
mais diferente possível de nós, como um meio de ampliar as defesas
imunológicas da nossa prole.
Saad (apud CAMARGO, 2010)
defende que slogans bem-sucedidos usam palavras de ordem que atingem
diretamente as estratégias evolutivas que contribuíram para aumentar a
nossa capacidade de sobrevivência e reprodução. Os indivíduos também
compram como forma de ostentar poder, esse comportamento humano é
compartilhado tanto pela evolução biológica quanto pela economia humana.
Darwin
postulou que, para sobreviver, atingir sucesso reprodutivo, perpetuar
nossos genes, utilizamos, assim como os animais, a autopropaganda, a
autopromoção e, portanto, o marketing pessoal, os comportamentos humanos
relacionados ao consumo. A partir da perspectiva evolucionista (ou
darwiniana) do comportamento, surge a figura do Homo consumericus, termo difundido por Gad Saad.
No
comportamento do consumo, identificamos as forças darwinianas que
levaram à evolução humana. A estimativa é que 99% do nosso tempo na
Terra ocorreu durante a época em que fomos caçadores-coletores. A
conclusão é que o comportamento para resolução de problemas ancestrais
ainda permanece para resolução de problemas atuais. A comunicação de
marketing, portanto, deve levar em consideração os aspectos evolutivos.
Entender o comportamento biológico humano é usufruir de ferramentas
adicionais para atrair consumidores.
Finanças comportamentais, economia comportamental e neuroeconomia
As
novas ciências elencadas nesse subtítulo partem do princípio de que o
ser humano não é tão irracional e maximizador, como defendem os
economistas ortodoxos. Camargo (2010) explica que, na visão dos economistas ortodoxos, a matéria-prima é finita e a vontade dos humanos não.
No
comportamento econômico, portanto, é necessário ser racionalizador e,
também, maximizador de resultados. A partir desses preceitos, os estudos
econômicos e de consumo surgiram, cujas ideias balizam a teoria do
marketing. A diferença entre as disciplinas está para o marketing, no
sentido de acessar mais as contribuições da psicologia para analisar o
comportamento de consumo e, na matemática, as bases são estatísticas, em
que o consumo é tratado na condição de oferta e demanda (CAMARGO, 2010).
A
teoria da BCC não contradiz as conquistas efetuadas pelas ideias
ortodoxas sobre consumo de massa e o comportamento do consumidor
individual, mas acrescenta aos estudos os inerentes fatos biológicos.
Michael Mauboussin (apud CAMARGO, 2010),
professor de finanças da Columbia Business School, nos Estados Unidos,
defende em finanças comportamentais o fenômeno denominado de “a
sabedoria do coletivo”.
Esse
fenômeno consiste no fato de investidores, mesmo sendo especializados
em seu ofício, não fazerem estimativas mais apuradas quando há consenso
no mercado. Os sujeitos copiam ou imitam comportamentos uns dos outros,
induzidos pela informação em cascata ao mesmo tipo de decisão. Esse
comportamento é tido como natural e biológico e, quando relacionado a
outros animais, recebe o nome de “comportamento de bando”.
O
sujeito investidor é irracional quando age coletivamente, mas isso não
indica que ele não é maximizador, pois, ao andar em bando, ele também
está se protegendo. Para manterem-se no bando ou para serem incluídos
nele, os sujeitos compram coisas que estão na moda, mas, muitas vezes,
não precisam desses objetos.
No livro “Desvendando a mente do investidor”, Richard Peterson (apud CAMARGO, 2010)
destaca várias experiências feitas por diversos pesquisadores do mundo
todo, demonstrando a irracionalidade no comportamento dos agentes
econômicos. Uma retrata as influências ambientais no comportamento
humano, relacionando a intensidade da luz solar ao humor dos
investidores. O dia ensolarado melhora o humor desses agentes, que ficam
mais propensos a comprar e arriscar em suas opções.
O
questionamento em questão às ciências econômicas comportamentais
(conjunto que abrange as finanças comportamentais, economia
comportamental, neuroeconomia e neuromarketing) é o fato de o ser humano
não ser puramente racionalizador, tendo a emoção presente em todas as
suas facetas de consumo de ideias, produtos, serviços e que, muitas
vezes, prevalece em relação à racionalidade.
As
disciplinas como as neurociências, a psicologia e a economia são
combinadas para justificar o comportamento do ser humano enquanto agente
econômico, assim surgem as finanças comportamentais. Esse viés utiliza
tais premissas para demonstrar que o ser humano não é puramente
racionalizador nem maximizador sem suas tomadas de decisões.
A
neurociência reconhece a influência do irracional, do instinto, na
tomada de decisão, por isso, muitas vezes, perdem seu caráter lógico ou
sensato, como apregoa a teoria econômica ortodoxa. A neuroeconomia tem
foco nos processos neurofisiológicos que permeiam o comportamento de
consumo, algumas vezes, identificados como processos conscientes e,
outras vezes, inconscientes.
No
que se refere à atividade econômica pessoal, de tomar decisões
vantajosas e rápidas para si, o sujeito tem a mediação das emoções no
processo de escolha, decisão e compra de um produto ou serviço, esses,
também, em interação direta com os agentes ambientais externos bióticos e
abióticos.
Antônio Damásio e Jonah Lehrer (apud CAMARGO, 2010)
provaram, em seus estudos, que o comportamento não é guiado totalmente
pela razão. Eles comprovaram que indivíduos que não usam a emoção têm
dificuldade de tomar decisões no seu cotidiano. A hipótese desse fato é
que, quando os sujeitos são privados de atividades cerebrais ligadas à
área da emoção, deflagra-se uma série de questionamentos sobre as
consequências de uma possível decisão, atingindo todas as variáveis
possíveis em curto e longo prazo. A operação mental torna-se infinita
por conta de um círculo constante mediado pelos prós e contras das
possíveis consequências de determinada escolha.
Neuromarketing
O Neuromarketing é definido por Camargo (2010)
como uma área de pesquisa do comportamento do consumidor. O
neuromarketing desenvolve estudos para verificar se as ações de
marketing cumprem o seu efeito proposto. Com a pesquisa do comportamento
do consumidor, essência do neuromarketing, pode-se levantar diversos
aspectos, desde a possível falha no método de coleta e análise de dados,
relacionado à pesquisa qualitativa tradicional, feita, geralmente, por
entrevistas ou questionários, com o intuito de descobrir os “porquês” do
consumidor decidir por uma ideia, serviço ou produto.
Benjamin Libet (apud CAMARGO, 2010)
fez experiências nos anos 1980 e comprovou que o cérebro, em algumas
situações, decide milésimos de segundos antes de nos tornar conscientes
do ato. Isso se deve ao fato de que nosso cérebro age em prol da defesa
do organismo e da manutenção da vida e, em algumas situações, não há
tempo hábil para nos informarmos sobre a decisão. O processo de comprar
ou não envolve, antes, um processo biológico, físico-químico, que ocorre
dentro e fora do cérebro.
O
neuromarketing está relacionado a diversos sistemas cerebrais. O de
aprendizagem, por exemplo, é responsável por atuar na ocasião da
informação sobre novos produtos, suas características e benefícios. Já o
sistema de recompensa (circuito rudimentar presente em outros animais)
comanda as atividades essenciais à sobrevivência e media nossa relação
com situações de prazer, como comer algo. Por último, o sistema cerebral
dá aversão à perda.
Apesar
de as pesquisas em neuromarketing terem sido muito aprimoradas nos
últimos 6 anos, principalmente em universidades inglesas, americanas e
alemãs, bem como nas empresas voltadas a esse tipo de investigação e que
atendem às grandes corporações dos mais diversos segmentos econômicos,
ainda faltam conhecimentos mais específicos de outras áreas da biologia
para compreender a complexidade do nosso organismo.
Ao
longo deste estudo, apresentei-lhe as contribuições da antropologia, da
biologia e da psicologia evolucionista para os estudos sobre a evolução
do comportamento humano nas suas relações de consumo. Em suas áreas
específicas de investigação, destaco-lhes suas contribuições nas diversas
formas de analisar o consumidor. De posse desse arcabouço convido-vos para refletir sobre a engenharia de marketing na vossa organização e como Gestor alinhar dentro de pesquisas metodológicas comportamentais, suas avaliações e possíveis ganhos.
Bom trabalho e Grande Abraço.
Adm. Rafael José Pôncio
Reprodução permitida, desde que mencionado o Nome do Autor e o link fonte.
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